Diplomata presidiu assembleia que reconheceu criação de Israel.
O desavisado turista brasileiro que estiver passeando pelo bairro de Mamilla, em Jerusalém, poderá ter uma agradável surpresa ao ver uma placa “dedicada ao nobre povo brasileiro”, em uma simpática praça. Não é por acaso que essa homenagem está ali, escrita em hebraico e português.
Trata-se da Praça Oswaldo Aranha, localizada bem próxima à Cidade Velha de Jerusalém, e batizada em homenagem ao diplomata brasileiro. Mas essa não é a única homenagem que Israel presta a Aranha. Há ruas com seu nome na capital, Tel Aviv, e na cidade de Be’er Sheva, no sul do país.
Mas o que esse diplomata brasileiro fez para merecer esse reconhecimento em Israel? Em 1947, o Reino Unido se preparava para deixar a Palestina, região majoritariamente árabe que lidava com uma recente e crescente imigração judaica, apoiada pelo governo britânico por meio da Declaração de Balfour, de 1917.
A rápida modificação no equilíbrio demográfico da região gerou tensões entre as duas comunidades. De um lado, árabes que compunham grande parte da população da região pelo menos desde o século 7 depois de Cristo. Os ancestrais de muitos deles possivelmente habitavam aquela região por milênios e foram apenas convertidos ao cristianismo e, posteriormente, ao islamismo.
De outro, judeus, que ao longo dos séculos, desde antes de Cristo, marcaram sua presença na região com uma pequena população e que agora vinham de todos os lugares do mundo – e principalmente da Europa oriental – voltando para um local que, segundo a tradição judaico-cristã, lhes fora prometido por seu Deus.
A solução para a situação explosiva foi entregue para a Organização das Nações Unidas (ONU), na época ainda uma criança de apenas 2 anos de idade. A Assembleia Geral, órgão que representa igualitariamente todos os membros da ONU, se propôs a estudar a questão, em uma sessão especial.
A Assembleia havia sido criada no ano anterior e só havia tido uma sessão ordinária. Nascido em Alegrete, no Rio Grande do Sul, em 1894, o jurista, cientista social e diplomata brasileiro Oswaldo Aranha foi eleito para presidir essa primeira sessão especial.
Nessa sessão, sob a presidência de Aranha, foi concebida a solução para a Palestina, a sua divisão em dois estados, um para os judeus e outro para os árabes. E, apesar da orientação do Itamaraty para que o Brasil se abstivesse de votar, a delegação brasileira, sob o comando de Aranha, votou a favor da partilha, que foi aprovada.
“Oswaldo Aranha foi importante nesse processo, porque ele não se limitou a presidir de uma maneira indiferente a votação. Ele se empenhou para que a divisão fosse reconhecida e aquela situação fosse resolvida, para que cada povo fosse acomodado e construísse o seu estado. Portanto, Oswaldo Aranha agiu todo o tempo de boa-fé, interessado em resolver aquele conflito envolvendo os dois estados”, explica Williams Gonçalves, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
A solução acabou não sendo implantada porque países árabes discordaram da solução. Em 1948, no momento em que os britânicos deixaram a Palestina, quando os dois estados deveriam nascer, houve uma guerra entre Israel, recém-nascido, e vizinhos árabes.
O resultado foi que Israel não apenas se consolidou como o único Estado nascido da partilha, como ampliou o território que havia sido designado a ele pelas Nações Unidas. O que restou do território designado aos palestinos, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, foi ocupado respectivamente pelo Egito e Jordânia.
A situação se prolongou até 1967, quando em uma nova guerra com países árabes, Israel tomou Gaza e a Cisjordânia. Depois do acordo de Oslo, em 1993, Israel permitiu à Autoridade Nacional Palestina (ANP) uma autonomia limitada em partes dos dois territórios palestinos.
Em 2005, Israel saiu completamente de Gaza, mas manteve a ocupação militar da Cisjordânia.
Biografia
Oswaldo Aranha começou sua vida política em um movimento estudantil, fazendo oposição a figuras importantes da política gaúcha, como o já ex-presidente marechal Hermes da Fonseca e o senador Pinheiro Machado.
De acordo com o Centro de Pesquisa e Documentação da História Contemporânea do Brasil (CPDOPC) da Fundação Getulio Vargas (FGV), já advogando, em 1917, Aranha conheceu Getúlio Vargas, que na época também era advogado. Essa aproximação dos dois se consolidou em 1928, quando Vargas, então presidente do Rio Grande do Sul, convidou o jurista para ser seu secretário do Interior.
De acordo com o CPDOC/FGV, Aranha também foi uma das peças centrais da Revolução de 1930, que subverteu o resultado da eleição presidencial daquele ano, impedindo a posse do vencedor Júlio Prestes e levando ao poder Getúlio Vargas, o candidato derrotado.
Oswaldo Aranha teria sido uma das vozes que propagandearam as fraudes nas eleições de 1930 e, segundo o CPDOC/FGV, chefiou o primeiro ataque armado da revolução, em 3 de outubro daquele ano. Aranha também foi quem negociou a passagem do poder da junta militar que depôs o presidente Washington Luís, em meio à revolução, para Getúlio Vargas.
Com prestígio no novo governo, Aranha tornou-se ministro da Justiça e depois ministro da Fazenda. Depois de um tempo como embaixador em Washington, nos Estados Unidos, foi nomeado ministro das Relações Exteriores, justamente durante o período em que eclodiu a Segunda Guerra Mundial.
No fim do governo de Vargas e sem prestígio com o presidente, Aranha afastou-se da vida política para voltar a advogar, em 1944.
Em 1947, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra, foi nomeado chefe da delegação brasileira na ONU, cargo que deixou no mesmo ano, depois de resolvida a questão israelense-palestina.
No segundo governo Vargas, voltou a ser ministro da Fazenda, cargo que ocupou até o suicídio do presidente. Ainda retornaria à ONU, como chefe da delegação brasileira, em 1957. Oswaldo Aranha morreu em janeiro de 1960.
Por Vitor Abdala – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro