A crescente intolerância religiosa no Brasil

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Domingo é dia de ir cedo a um templo de Cristo, confessar os pecados, arrepender-se deles, deixar um dízimo e, na segunda-feira, começar tudo outra vez. Tirados os pecados do corpo, paga a prestação do terreno no céu, já podem os cristãos pegar nova estrada e dar início novamente à sina que acompanha o que parece estar escrito nas estrelas.

A intolerância religiosa, por parte da Igreja Católica, cujo alvo principal eram os judeus e os cristãos-novos (os recém-convertidos à força ao Catolicismo), acusados de continuarem praticando o Judaísmo secretamente. Qualquer pessoa que professasse práticas diferentes daquelas reconhecidas como cristãs era considerada herege. Condenados à morte na fogueira, prisão perpétua e confisco de bens, o que transformou a Inquisição numa atividade rentável para os cofres da Igreja. Dos 400 brasileiros que foram condenados, 21 foram queimados em Lisboa. Os inquisidores portugueses fizeram 40 mil vítimas, das quais 2 mil foram mortas na fogueira. Na Espanha, até a extinção do Santo Ofício, estima-se que quase 300 mil pessoas tenham sido condenadas e 30 mil executadas. No entanto, hoje os cristãos não colocam mais os demais, que chamam de hereges, nas fogueiras de lenha; colocam na fogueira mental da discriminação.

Sofrem os praticantes da umbanda e candomblé, sofrem os do islamismo, sofrem os do judaísmo, sofrem os ateus e sofrem todos os demais, porque aqui: “Dos filhos deste solo, és mãe gentil”, já era. Porque depois da chegada dos terrivelmente evangélicos, “O lábaro que ostentas estrelado. E diga o verde-louro dessa flâmula.” Não há mais paz no futuro nem glória no passado!

Lembrado o hino nacional, não podemos deixar de falar das contradições da nossa Constituição, junto com leis e comportamentos de agentes dos três poderes diante da laicidade da Carta Magna. Como pode ela também – dos 20 milhões que são ateus – diante dela ter sido promulgada, sob a proteção de um Deus? Ela, a Carta Magna, concede o direito de ser livre do jugo do ensinamento religioso, também liberta todos de imposição governamental de qualquer religião ou crença.

Assim, diante do § 2º de seu art. 11, onde está firmado que o Estado no Brasil é laico, consagra-se a liberdade de crença e de culto para todos os brasileiros. Mas nós, os ateus que somos 10% da população, não temos crença em nenhuma religião, muito menos em um deus; onde ficamos então? Somos ateístas, o que quer dizer que não somos teístas, muito menos crentes em um deus. Ela é laica, mas foi promulgada sob a proteção de um deus.

Hora, hora, hora, somos 20 milhões sem deus ou deuses, como podem trazer um – para abençoar uma Carta Magna – que também é nossa? Nós, os ateus, também somos brasileiros e não queremos essa proteção de um ente infinito, eterno ou sobrenatural, fazendo parte, mesmo que abençoando a Constituição. Mesmo que possam dizer que: a bênção está no preâmbulo da Constituição, onde não contém norma jurídica, – o preâmbulo é a “carruagem” que transporta a Constituição com suas normas jurídicas, – o que torna essa menção da “proteção de um deus” uma contradição para o que está dentro dela sobre ser laica.

E mais; De acordo com a Constituição, é vedado à União, aos estados, Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los ou manter com eles ou seus representantes relação de dependência ou alianças. No entanto, isso não é observado. Onde está o secularismo que é o princípio da separação entre instituições governamentais e instituições religiosas, sendo um estado laico? Pois as decisões, especialmente as políticas, devem ser imparciais em relação à influência religiosa.

Tanto no Congresso Nacional quanto nas assembleias e câmaras municipais existem bancadas ligadas ao cristianismo, que trazem da Bíblia a proibição do aborto e outras sementes próprias do cristianismo. Essas bancadas trabalham intensamente em impor as leis e ensinamentos contidos na Bíblia. E o que ainda é pior: tanto os entes públicos do poder executivo fazem acordos com essas bancadas, para manterem leis acompanhando a Bíblia, como também os tribunais de justiça dos estados, da União e as cortes maiores STJ, STE e STF se dobram ao cristianismo em suas sentenças.

Isso fere a Constituição, “corroendo-a com leis ligadas às emoções religiosas”, quando ela é laica. É bom acentuar, essa “corrosão” de conjugar religião com política não leva junto os judeus e os do islamismo, mas leva junto os da religiosidade de origem africana, também ajudando nos seus interesses.

E para fechar ainda temos, nós os ateus, e os não cristãos, conviver com os dias santos do catolicismo. Temos que nos curvar ao dia 25 de dezembro, que é o dia do nascimento de Jesus Cristo, quarta-feira de cinzas, sexta-feira santa, dia de Nossa Senhora disso e Nossa Senhora daquilo; são tantas as nossas senhoras que só resta dizer “nossa senhora!”

Em qualquer sociedade justa, os direitos garantidos pela Constituição não são objetos de negociação política com crenças religiosas, nem são computados no cálculo dos interesses sociais. Uma pessoa é dona de sua inviolabilidade fundamentada na Constituição, que nem um bem comum, muito menos os interesses de uma ou outra religião, podem ab-rogar o seu direito.

Por Guilhobel A. Camargo – Gazeta de Novo

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Uma resposta

  1. Apesar de todas essas afirmações que são de fato uma realidade em nosso país, o Brasil é o país aonde convivem um número muito grande de crenças e religiões! Têm seus espaços garantidos, como também são respeitados os ateus que podem livremente questionar os chamados feriados religiosos!!!!! Essa liberdade não podemos perder nunca!!!! Um artigo de opinião que deve ser respeitado!!!!

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