Hoje, acordei vivendo dentro de um ano que se perpetua no tempo: é o ano de 2023. Senti que ele nunca experimentará a sua transição para o próximo, mesmo estando a 7 dias do seu término. Este é um mundo peculiar, onde o tempo parece ter congelado em um ciclo constante.
Voltei a dormir para sair do sonho e acordar em um ano normal, mas ao acordar, é a mesma manhã. Olhei para um dos meus celulares, e ele ainda está com o calendário indicando 24 de dezembro. Peguei o outro telefone, e novamente é dia 24 de dezembro, um sábado. Também, dia 25 não pode ser uma segunda-feira. As segundas-feiras são dias de trabalho, então dia 25 teria de ser um domingo. E isso foi se repetindo em uma soneca que tirei, e outra, e outra: é sempre 24 de dezembro de 2023, um sábado.
O sol nasce e se põe, mas o dia não avança, e o ano permanece inalterado. As estações se sucedem, as notícias vão se alterando nos jornais e na TV, e o tempo se recusa a avançar.
Por isso, estou escrevendo esta matéria, que pode ser um conto ou uma opinião maluca. Não sei em que dia você está lendo este texto, nem se há outro dia. Sei que o mundo está virando dentro do seu eixo, mas eu estou ainda no dia 24 de dezembro de 2023. Estou ficando perplexo, tentando entender a natureza desse fenômeno inexplicável. Os dias já se transformam em semanas e em meses; penso que foram 13 meses, e eu deveria estar em 2025. Começo a pensar que devo começar a aceitar esse destino, único.
Tenho que viver uma vida normal, com os meus 76 anos, mesmo que preso em um ano interminável, dentro de um dia que não muda. Tento manter meus relacionamentos, junto amigos e familiares, e até mesmo tento começar novos relacionamentos, mas todos ao meu redor vivem o mesmo drama que estou vivendo. O maior problema para mim é a monotonia da repetição, em não sair deste ano de 2023, e começo a me preocupar que isso pode me afetar, pois tenho muitos projetos para 2024. E se esse ano não vier nunca? Cada dia se assemelha ao anterior, sem novos desafios ou oportunidades.
Mas agora, no meio do texto que escrevo, algo mudou. Fui buscar, em uma estante onde guardo muitos livros antigos, um livro que eu estava pensando em reler, e encontro um livro antigo. Livro que eu nem sabia que existia, imagino que era da minha saudosa finada esposa. Parei de escrever este texto e comecei a ler o livro. Estou intrigado, pois acabo de descobrir que é um livro de contos mágicos. À medida que fui lendo, percebi que cada história é uma porta para um mundo diferente. Acabei ficando animado com a ideia de escapar deste ano sem fim, e escolhi uma das histórias e entrei na narrativa.
Agora, sim, tudo parece estar diferente, diante de aventuras em mundos extraordinários. Em cada página, um novo conto, uma nova aventura. Estou explorando selvas místicas, voando pelos céus em cavalos alados, e encontrando criaturas que desafiam a lógica. Cada vez que paro de ler, retorno a este dia 24 no meu mundo estranho de 2023, que não quer terminar. Mas tem uma coisa nova: vem comigo as experiências das viagens, e por isso pude agora escrever estas últimas linhas, para você ler antes que eu esqueça dos fatos.
Agora que eu te atualizei, posso voltar para a jornada entre as novas realidades que encontrei, no livro. Estou agora encontrando outros presos no mesmo ciclo temporal do meu dia 24 de dezembro de 2023. Juntos, acabamos de formar uma comunidade única, compartilhando histórias e vivendo vidas múltiplas dentro do mundo dos contos e fugindo do ano sem fim. Mas em conjunto descobrimos que o ano de 2023 tornou-se uma fonte de estabilidade, um ancoradouro para nossas vidas, enquanto exploramos as possibilidades infinitas além das páginas do livro encantado, que até agora não sabemos o nome. Tem uma capa de couro marrom, dá para perceber que foi muito folheado, e todos os livros dos demais, da comunidade que montamos, são iguais. Nenhum deles tem nome, nem autor, nem prefácio, nem quando e por quem foi impresso.
Enfim, descobrimos que, apesar de estarmos presos no ano de 2023, nossa existência se tornou rica e diversificada. Pudemos cada um de nós apreciar a singularidade de cada dia, encontrando beleza na repetição que antes nos entediava.
E que a busca por significado transcende o tempo, percebemos que, mesmo em um ano que nunca termina, a vida continua a ser uma jornada fascinante, se tivermos a oportunidade de termos um livro, mesmo sem autor, para viajar nele.
Um ano sempre será novo se nós renovarmos, mesmo sem ter que consultar calendários.
Por Guilhobel A. Camargo – Gazeta de novo
Respostas de 4
Belo conto mágico!!!! Inverossímil e ao.mesmo tempo, real. Realmente nestes dias parece que andamos em círculo, sempre voltando ao mesmo lugar!!!! Uma rotina violenta da qual queremos sair e não conseguimos!!!! Belo texto, meu amigo, artista das palavras!!!!!
Obrigado querida amiga e fiel leitora das minhas opiniões.
Acho que esse livro se chama vida rsrs
Muito bom compadre, o final então foi genial,parabéns