Os Estados Unidos jamais admitiram a possibilidade de que um país nas Américas, além deles próprios possa ser autônomo. Eles seguem o que foi ditado pela Doutrina Monroe e as orientações de Nicholas John Spykman, geógrafo e geoestratego nascido na Holanda e radicado nos EUA, que, mesmo falecido em 1943, ainda exerce grande influência no comportamento dos Estados Unidos no mundo.
A Doutrina Monroe nasceu há 200 anos, pela autoria do presidente americano James Monroe, em sua mensagem ao Congresso em 2 de dezembro de 1823. Nessa mensagem, afirmou-se como princípio que os continentes americanos, devido à sua condição livre e independente, não podem mais ser colonizados por nenhuma potência europeia. A frase que a resume é: “América para os americanos”, podemos acrescentar que: “… é só para os americanos dos EUA”.
O princípio do Tio Sam, um dos pilares da Doutrina Monroe, é não permitir o surgimento de lideranças nas Américas que possam ameaçar sua hegemonia.
A aproximação do BRICS, ampliando seus parceiros na África e Oriente Médio, é a chance do Brasil acabar com essa doutrina na América Latina e assumir uma liderança não desejada pelos EUA.
Em reunião no mês de agosto, os BRICS anunciaram a entrada de seis novos países: Arábia Saudita, Argentina, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos, que passarão a fazer parte do grupo a partir de 2024.
Países latino-americanos que se opõem à influência norte-americana, como Cuba, resistem a um bloqueio econômico que já dura mais de 60 anos. A Venezuela, por sua vez, completará 10 anos em 2024 de bloqueios econômicos com a Lei nº113-278 aprovada pelo Congresso dos EUA em 2014 e ampliada em 2015 no governo Obama com a ordem executiva 13692, declarando o país sul-americano como uma “ameaça incomum à segurança interna dos Estados Unidos”.
Quando usam o argumento de “ameaça incomum à segurança interna dos Estados Unidos”, podemos traduzir “segurança interna” por “concorrência na área econômica”, e também a ameaça de existir outra nação americana que fale pelas três Américas, ou pelo menos por duas delas.
Outros exemplos, além de Cuba e Venezuela, são a Bolívia e Nicarágua, que possuem uma forte tradição anti-norte-americana devido à preponderância dos Estados Unidos e suas intervenções militares, com atuação da CIA.
A história da aplicação da Doutrina Monroe nos séculos XIX e XX está marcada por intervenções em países latino-americanos na tentativa de garantir a hegemonia. Mesmo não incluindo o Brasil como parte dos latino-americanos, os americanos do Norte nunca deixaram de intervir no nosso país, economicamente e politicamente. Uma lei aprovada em 1976 pelo Congresso Americano classificou o grupo latino-americano como “americanos que se identificam como sendo de língua espanhola e traçam sua origem ou descendência no México, Porto Rico, Cuba, América Central e do Sul e outros países de língua espanhola”.
Nicholas John Spykman definiu as três Américas, do ponto de vista geopolítico, como a primeira e última linha de defesa da hegemonia mundial dos EUA. Por essa razão, os EUA devem manter a supremacia na América do Norte e Caribe, somada à hegemonia na “ilha-continente” América do Sul. Segundo Spykman, a região do chamado ABC (Argentina, Brasil e Chile) poderia articular uma aliança antiamericana, o que nunca poderia ser tolerado.
Assim, por meio da CIA, os EUA utilizaram o ex-presidente Bolsonaro, Moro e a Lava Jato, e atualmente contam com Milei na Argentina, para desmobilizar uma possível aliança forte do Brasil na região.
Hoje, 29 de dezembro, o novo governo da Argentina informou, que enviou carta aos países integrantes do Brics para manifestar que “não considera oportuno” participar do grupo (BRICS) de nações emergentes. Essa carta do Milei reforça a tese que os – EUA tem agido forte no sentido de evitar o fortalecimento de Brasil e Argentina juntos também no BRICS, – indo contra a manifestação do governo de Alberto Fernandez em agosto passado.
Desmontar ainda mais a economia Argentina, plantando nas políticas econômicas de Milei situações que afetem também o Brasil, é continuar forte com a Doutrina Monroe e as orientações de Spykman. A indústria automobilística brasileira tem na Argentina seu maior importador, representando 48% dos automóveis e peças exportados.
Os EUA seguem na Eurásia e Oriente Médio os princípios de Spykman, que desenvolveu uma teoria sobre a influência da geografia nas disputas globais. A base está na ideia da unicidade da superfície líquida do planeta e na divisão da superfície terrestre em grandes blocos insulares formados por uma série de ilhas-continente.
Para Spykman, quem tem o poder mundial não é quem controla diretamente o “coração do mundo”, mas quem é capaz de cercá-lo, como os Estados Unidos fizeram durante os últimos 200 anos com as outras duas Américas, e durante toda a Guerra Fria, seguindo até os dias atuais.
Os conceitos analíticos de Spykman são seguidos à risca pelo governo dos EUA de hoje, com a criação de um “cordão sanitário” em todo o entorno da Rússia, evidenciado pela Guerra da Ucrânia e Rússia, mesmo com a Rússia não sendo mais a URSS nem um país comunista.
A luta consiste com o Tio Sam tentando manter a hegemonia mundial, dominando o mundo em ilhas, interferindo nos países e usando o petrodólar como seu “lastro ouro”. No entanto, hoje há um detalhe gigante: as guerras navais em torno de ilhas podem se tornar coisas do passado. Países como Coreia do Norte, Rússia e China possuem mísseis atômicos capazes de atingir o território norte-americano a partir da Ásia, além de poderem afetar a economia dos EUA por meio de uma “moeda nova” controlada pelo BRICS.
A Rússia possui o Satã-2, um míssil nuclear considerado o mais poderoso do mundo, capaz de atingir alvos a 18 mil km de distância, abrangendo a maioria dos territórios do planeta. Em comparação, o míssil nuclear intercontinental americano Minuteman-3 tem alcance máximo de 13 mil km.
Kim Jong, da Coreia do Norte, diante dos acordos militares entre EUA, Coreia do Sul e Japão, incluindo o envio de um submarino atômico, declarou ontem (28/12) que responderá a mais essa intimidação dos EUA na região.
Biden, ao manter estratégias orientadas por Spykman, parece contribuir para a escalada de tensões. Kim Jong, com intensas relações com a China e Rússia, não parece fazer bravata ao mencionar o uso de armas nucleares.
Os conflitos entre Israel e Hamas atingiram um ponto em que países no entorno de Israel tomam posições indicando que a escalada desta guerra não cessará tão cedo.
O desgaste dos EUA já é sentido no movimento de vários países árabes, majoritariamente islâmicos, que não podem mais se alinhar irrestritamente aos interesses norte-americanos.
Israel alertou na última quinta feira que houve agravamento da situação com Hezbollah na fronteira com o Líbano. Pode ser o inicio de outra guerra sangrenta, uma vez que o Hezbollah tem muito mais equipamento de guerra que o Hamas.
Enfim, o Tio Sam deveria considerar aposentar a Doutrina Monroe, esquecer os ensinamentos de Spykman ou arriscar receber o troco de tudo que tem plantado no mundo.
Por Guilhobel A. Camargo – Gazeta de Novo
Uma resposta
Excelente artigo informativo!!!! Apesar do enfraquecimento do Tio Sam corremos o risco de uma guerra generalizada! Eles não aceitam perder terreno para outro país das Américas!! Eles estão em todos os lugares…